Marco Feliciano e o dilema dos evangélicos

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Marco Feliciano
Valmir Nascimento Milomem Santos
A polêmica envolvendo Marco Feliciano (MF) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados ainda não chegou ao fim. Os ânimos não foram apaziguados e a manutenção do parlamentar à frente da comissão ainda é incerta e aparentemente insustentável.
O clima de beligerância e a tensão entre os grupos pró e contra MF avança dia após dia. Com isso, ouvem-se opiniões cada vez mais extremistas e polarizadas acerca da situação do pastor-deputado. A razão dá lugar aos sentimentos. O interesse público é abafado pelas convicções ideológicas e doutrinárias, transformando o debate em discussão e ataques pessoais.
Entre os evangélicos a situação também é complicada e criou o seguinte dilema: se apoiarem a saída de MF da presidência da comissão os evangélicos perdem uma grande batalha contra o movimento gay. Por outro lado, como defender a manutenção de um pastor tão controvertido em uma comissão tão importante como esta?
O dilema não é fácil de ser resolvido. Mas, creio que um bom caminho para se chegar a uma conclusão plausível é analisando as incoerências das opiniões extremistas e suas respectivas argumentações.
LEALDADE OU INTEGRIDADE?
De um lado, estão aqueles que defendem a continuidade de MF à frente da comissão. Argumenta-se que o cargo em disputa é de grande importância na guerra cultural entre progressistas e conservadores, e por isso deve ser ocupado por um evangélico, a fim de confrontar o avanço do movimento gay capitaneado pelo deputado Jean Wyllys.
Para essa corrente, é preciso que haja lealdade e união entre o “povo evangélico”. Afirmam que não podemos abandonar MF, ainda mais agora que se encontra solitário e ferido. Afinal, ele representa os evangélicos e vai defender os valores morais bíblicos contra os supremacistas gays e políticos da esquerda. Nessa perspectiva, MF é uma espécie de político-profeta, colocado diretamente por Deus no Congresso para fazer a diferença, como sal e luz das trevas.
É difícil aceitar a continuidade de MF na presidência da CDHM com base nessa argumentação, isso porque a lealdade não vem antes da integridade. Inclusive já falei sobre isso aqui certa feita em uma situação envolvendo MF e Edir Macedo.  Como escreveu Charles Colson, a integridade precede a lealdade, pois a lealdade, não importa o quão admirável seja, pode ser perigosa se investida em uma causa indigna. Já a integridade vem do verbo grego integrar, que significa tornar-se unido para formar um todo completo ou perfeito, e por isso nossas ações devem ser coerentes com nossos pensamentos.
Desse modo, antes de exercitar uma lealdade cega em relação a determinado líder evangélico, é preciso  verificar se tal pessoa tem um bom testemunho como cristão. Mesmo porque, os cristãos não fazem parte de um sindicato, partido político, associação civil ou organização não governamental, para defender com unhas e dentes seus companheiros e camaradas. Entre os cristãos não pode existir corporativismo. Um pastor não deve ser defendido pelo simples fato dele ser evangélico, mas sim pela forma como vive e procede. Quando suas ações destoam dos mandamentos bíblicos, devemos repreendê-lo e não apoiá-lo (2Ts 3.6, 14-15).
Essa lealdade burra reflete aquilo que Paul Freston (Religião e política, sim; Igreja e Estado, não) chama de expectativa messiânica dos evangélicos em relação à política, pela qual se acredita que determinado candidato crente canalizará as bênçãos de Deus sobre o Brasil, resolvendo todos os problemas que nos afligem. Esse messianismo, como adverte Freston, é muito perigoso, para o país e para a Igreja, pois a última parte do homem a se converter não é bolso, é o fascínio pelo poder.
Cabe lembrar que Marco Feliciano é um dos grandes propagadores da Teologia da Prosperidade (TP) no Brasil. E, como escreveu Paul Freston (p. 42), “evangélicos imbuídos na TP não estarão em condições para ser os cristãos abnegados e disciplinados que precisamos na política. A TP não produzirá pessoas dispostas a se sacrificar e a tomar posturas heroicas em questões políticas”. Por essa razão, diz Freston, “nossa preocupação tem de ser a promoção do evangelho e não a promoção dos evangélicos” na política.
DESPREPARO OU PERDA PARA O MOVIMENTO GAY?
Da outra banda, estão os evangélicos contrários à manutenção do deputado na condução da aludida comissão. Para estes, o argumento principal é que MF não tem o perfil adequado para comandar uma comissão de defesa de direitos humanos e das minorias, notadamente em virtude de sua declaração confusa sobre os negros, considerada por muitos como racista.
Protestantes pedem a saída de Marco Feliciano.
Protestantes pedem a saída de Marco Feliciano.
Ocorre que, assim como a primeira corrente, esta também não está isenta de críticas. Inicialmente é preciso destacar que MF foi eleito de forma legítima para ocupar a presidência da comissão, ainda que por meio de acordo, como é praxe naquela Casa de Leis.
Quanto ao “perfil adequado”, é importante destacar que essa decisão foi tomada pelos eleitores nas urnas, ao elegê-lo, salvo engano, com 212 mil votos. Os requisitos constitucionais foram aferidos no momento em que o deputado recebeu o seu diploma, não cabendo neste momento qualquer espécie de análise da “adequação do perfil” do deputado. Aliás, se for para avaliar o perfil dos componentes de todas as comissões da Câmara dos Deputados porque não se questionou até o momento a participação dos mensaleiros José Genoino e João Paulo Cunha na Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Casa?
Aliás, a pergunta que não quer calar: por que os evangélicos que se manifestam contrariamente à MF também não defendem abertamente a saída desses dois deputados da referida comissão? Ora, a percepção que se tem é que esses evangélicos estão preocupados não com a corrupção, mas sim em detonar somente MF.
Além disso, esse grupo de evangélicos se esquece de que a pressão para a saída de MF da comissão tem partido diretamente do movimento gay, insuflado por Jean Wyllys. Não me parece uma atitude coerente que os cristãos engrossem a voz do movimento gay para a retirada a força do deputado da presidência da comissão. Isso fortalece a tirania da minoria que, depois de perder aquele espaço, tenta de todas as formas retirar um político que não coaduna com sua forma de pensar. É uma atitude ditatorial, na medida em que tenta transformar o cargo da presidência da CDHM em propriedade privada do movimento gay.
QUAL A SAÍDA? IMPESSOALIDADE E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Então, como resolver o dilema? Tratando a situação de forma objetiva e sem partidarismo. A decisão precisa respeitar o Estado Democrático de Direito e afastar-se do discurso ideológico e pessoal.
Por isso, defendo a manutenção de Marco Feliciano à frente da CDHM não pelo simples fato dele ser evangélico e muito menos pastor, mas porque ele foi escolhido pelos seus pares para aquele cargo.
Pessoalmente, não gostaria que ele tivesse sido indicado para o cargo. Não coaduno com seu pensamento e muito menos com sua teologia. Entretanto, em um Estado Democrático de Direito as leis e as decisões políticas devem ser respeitadas. Com efeito, embora MF não seja o meu “represente evangélico” preciso respeitar a sua indicação ao cargo, assim como se fosse qualquer outro parlamentar, afinal, as decisões de uma República não podem ser tomadas a partir de discussões pessoais e influenciadas por ideologias.
Concordo, portanto, com a primeira corrente, mas por um motivo completamente diferente. E a motivação correta é fundamental para evitarmos o casuísmo e mais ainda para manter nossa consciência cristã tranquila. É preciso ter coerência na tomada de decisão não nos vinculando à pessoa, mas ao fato em si. Isso se chama principio da impessoalidade (art. 37, CF),
Desse modo, defendo o Estado Democrático de Direito e não a pessoa do sr. Marco Feliciano. Sou a favor da sua manutenção no cargo não porque deva ser leal a ele, mas sim a Deus, que exige o tratamento justo de todas as pessoas (Gl 3.28), e ainda à Constituição Federal que estabelece em seu art. 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Em uma Casa do Legislativo que pretende colocar em prática o regime democrático, não podem existir monopólios de suas comissões, como quer o movimento gay. Logo, um parlamentar não deve ser arrancado de seu cargo em virtude de opiniões que são fruto de sua consciência e liberdade de expressão, garantidas também pela mesma Carta Magna.
Volto a dizer. A situação precisa ser avaliada pelo prisma jurídico e republicano. Em um Estado Constitucional não pode existir juízo ou tribunal de exceção, e as pessoas – independentemente do credo e da raça – devem ser tratadas dignamente e com justiça, de forma adequada, independente e imparcial. E Marco Feliciano merece esse tratamento.
www.comoviveremos.com [use, mas cite a fonte]



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